O título deste artigo
reproduz a pergunta angustiada que muitos pais e mães se fazem quando
eventualmente descobrem que seu filho ou filha é homossexual. Sua filha pode
ter te contado, ou você pode ter descoberto que ela é lésbica ao espionar sua
vida privada. O fato é que saber que a filha é lésbica é algo em geral
chocante. Cada vez menos chocante, é verdade, em virtude do fato de que vivemos
numa época mais esclarecida no que diz respeito a questões sexuais. Informação
é que não falta para que as pessoas compreendam melhor coisas que seriam muito
mais difíceis de serem compreendidas décadas atrás.
Mas vamos lá. Sua filha
é lésbica. E agora? A resposta é simples na teoria, mas será preciso esforço
consciente para incorporá-la: e agora, o fato é que ela continua a ser sua
filha. Nada mudou neste quesito, e acredite, fazer chantagem emocional ou
discurso religioso não fará sua filha deixar de ser homossexual. No máximo, ela
aprenderá a mentir para você, o que, convenhamos, sai completamente do projeto
de um relacionamento familiar saudável.
Alguns pais expulsam suas
filhas de casa ou realizam reprimendas em graus variados. Há até quem bata na
filha adolescente, ou lhe tolher a liberdade. No fundo, atitudes deste tipo
derivam da fantasia mais absurda. Tem pai e mãe que acha que se impuser
castigos variados aos filhos, eles "deixarão de ser" aquilo que
efetivamente são. Desculpe, mas se você pensa assim, é engano seu. No máximo,
você conseguirá criar uma mentirosa. E isso se ela quiser continuar perto de
você, porque há filhos que simplesmente somem da vida de seus pais
chantagistas, tão logo conseguem se virar sozinhos. Na comunidade
"Homofobia... Já Era", no face ou em outras redes sociais, há
incontáveis relatos de pessoas homossexuais que perderam totalmente o contato
com seus pais e foram viver suas vidas. Se para eles isso é triste, imagine
para os pais... De que maneira então você pode evitar a destruição de seu
relacionamento com sua filha querida?
ENTENDENDO
A HOMOSSEXUALIDADE
Em primeiro lugar, esqueça "opção sexual". Você ouvirá esta
expressão corriqueiramente na mídia e até mesmo em livros aparentemente
especializados. Em geral, quem usa tal expressão não o faz por maldade, mas um
olhar mais apurado demonstra quão infeliz é esta frase. Se preferência sexual
fosse uma opção, ninguém optaria por ter um gosto que converte a pessoa quase
que automaticamente numa vítima do preconceito social. Pense: você optou por
gostar do sexo oposto? Não foi assim, não é mesmo? Você paulatinamente foi
descobrindo que se interessava pelo sexo oposto. Adivinhe? Com homossexuais é a
mesma coisa! Eles gostam do mesmo sexo, pela mesma razão misteriosa que faz com
que a maioria das pessoas prefira o sexo oposto.
O fato é que ninguém, absolutamente ninguém sabe o que faz uma pessoa se
interessar pelo mesmo sexo ou pelo oposto. Não existe nenhuma comprovação
científica de que a causa seja genética ou psicológica. Até mesmo Sigmund
Freud, pai da psicanálise, a quem erroneamente se atribui a idéia de que a
homossexualidade tem origem na criação, escreveu claramente em sua obra: o mais
provável é que a sexualidade humana, como tudo no ser humano, seja multicausal.
Não há uma causa, mas sim várias, e elas provavelmente são diferentes para cada
ser humano. De todo modo, independentemente de quais sejam as causas, o
filósofo francês Michel Foucault disse certa feita - e muito bem dito - que
mais do que uma explicação para os gostos sexuais, o que os seres humanos mais
precisam é de uma arte do bem-viver. A arte do cuidar de si. E "cuidar de
si" é uma prerrogativa para todos os seres humanos, sejam eles homo, hetero
ou bissexuais.
O
LADO DOS PAIS
Aí você pode argumentar e dizer: "não quero que minha filha sofra
neste mundo preconceituoso". Vou te contar uma coisa que não é segredo
algum e deveria ser óbvio: é impossível impedir as pessoas de sofrerem. É
inviável eliminar a possibilidade do sofrimento da vida de um filho. E digo
mais: é doentio fantasiar uma proteção paterna ou materna que ultrapasse as
fronteiras da vida adulta de sua filha. Isso não apenas infantiliza sua filha,
como cria uma relação patológica entre vocês. Além disso, você já parou para
olhar ao redor do mundo hetero? As pessoas deixam de sofrer por serem heterossexuais?
E se você acha que no caso dos homossexuais há mais sofrimento, eu lhe digo que
isso só é verdade enquanto a maioria das pessoas pensar como você.
Outro sofrimento comum é pensar "ai meu Deus, não vou ter
netos!". Bem, seu filho ou filha é homossexual e não estéril. Homossexuais
podem perfeitamente se reproduzir, seja através da inseminação artificial, seja
por intermédio do sexo desprazeroso, cuja finalidade é unicamente reprodutiva,
ou podem até realizar um dos atos mais generosos e belos, que é adotar uma
criança. Há milhões de crianças sem família à espera de pais sem filhos. E
mesmo que sua filha fosse heterossexual, quem garante que ela seria mãe? E se
ela for uma heterossexual que detesta a ideia de cuidar de crianças? Ter ou não
ter netos não deveria ser um argumento de chantagem contra o desejo amoroso
verdadeiro de seu filho ou filha. Se você quer cuidar de crianças novamente,
que tal adotar uma ao invés de impor seu sonho aos outros?
Você também pode achar - e isso é muito comum - que seu filho ou filha
pensa que é homossexual porque nunca experimentou o sexo oposto. Em primeiro
lugar, como é que você sabe que ela nunca experimentou? E ainda que nunca tenha
experimentado, é falso supor que tal coisa seja necessária. Se ela tiver que fazê-lo,
o fará por livre e espontânea vontade, no dia que sentir o desejo. Sexualidade
como obrigação é a via direta para o sofrimento.
Por fim, há a questão religiosa, que é parte importante na vida de
muitas famílias. Religiões diferentes abordam a questão da homossexualidade das
formas mais distintas: há as que aceitam, as que condenam e as indiferentes ao
tema. Alguns autores, como o padre Daniel Helminiak, autor do livro "O que
a Biblia realmente diz sobre a homossexualidade", mostram que podem
existir interpretações diferentes para este assunto.
O Brasil é um país onde ser homossexual gera bem menos problemas do que
em outros lugares. Em nosso país, uma pessoa homossexual pode deixar pensão
para seu companheiro ou companheira, pode adotar crianças, pode realizar união
civil... Os homossexuais têm muitos direitos conquistados e, muito embora ainda
faltem tantos outros, grandes passos já foram dados e continuarão a ser.
Deste modo, se você realmente se preocupa com a possibilidade de sua
filha "sofrer mais" por ser homossexual, esforce-se para não ser você
mais uma razão para sofrimento na vida dela. Em geral, pessoas homossexuais
aprendem a não ligar para eventuais manifestações de preconceito. Alguns até
reagem e ensinam grandes lições aos preconceituosos. Mas quando o preconceito
vem da própria família, principalmente dos pais, este tipo de sofrimento é
quase irrecuperável. Gera mágoas profundas e feridas difíceis de cicatrizar.
Não é à toa que a incidência de tentativas de suicídio é maior entre
homossexuais - não é porque eles são homossexuais que tentam se matar, é por
causa dos pais que não os aceitam como são! Você, que deu a vida a sua filha,
pense no horror que seria tornar-se provável colaborador(a) da causa de sua morte.
Você, que deu a vida a sua filha, pense em como será maravilhoso colaborar para
sua felicidade. E não há maior felicidade do que poder ser aquilo que se é, com
o apoio daqueles que dizem nos amar.
Deste modo, eu lhe digo: e agora? E agora, aceite. Acostume-se. Sua
filha é o que é, e o que ela é vai muito além de uma extensão sua. Ele não é um
robô, não é um projeto. É uma pessoa com desejos próprios. Admire-a por isso. E
não apenas "tolere" sua preferência sexual. Respeite-a.
Nossos
filhos não são nossos filhos...
São os filhos e filhas
da vida desejando a si mesma.
Eles vêm através de
nós, mas não de nós,
E embora estejam
conosco, não nos pertencem.
Nós podemos lhes dar
nosso amor, mas não seus pensamentos,
Pois eles têm seus
próprios pensamentos,
Nós podemos abrigar
seus corpos, mas não suas almas,
Pois suas almas vivem
na casa do amanhã,
que nós não podemos
visitar, nem mesmo em seus sonhos.
Nós podemos lutar para
ser como eles,
mas não perduraremos-
nos torná-los iguais a nós.
Pois a vida não volta
para trás, nem espera pelo passado.
Nós somos o arco de
onde nossos
filhos
são lançados como flechas vivas.
(Kahlil Gibran, poeta e filósofo)
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